quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A soja e suas controvérsias


Hoje vamos falar de soja. Provavelmente você só terá ouvido maravilhas deste vegetal. Vou confessar algo para meus leitores: estudar mais a fundo a questão da soja na alimentação para preparar este post para o blog foi uma experiência enriquecedora e surpreendente de muitas maneira. A impressão que fica é de que poucos alimentos tem despertado tantas controvérsias, e uma relação tipo amor x ódio tão contundente quanto a soja. De forma que quando você examina as evidências científicas, até para quem está acostumado aos protocolos da metodologia científica, não é de nenhuma forma fácil separar o joio do trigo.

A cultura da soja e suas controvérsias

O Brasil é o segundo maior produtor e exportador mundial de soja, atrás apenas dos EUA. Do Rio Grande do Sul ao Norte Nordeste do Brasil, o grão se espalhou, ganhou o chão e está mudando radicalmente a paisagem em diversos biomas
Utilizada principalmente no fabrico de ração de animais e na produção de agrocombustível, a soja tem diversas utilidades, além de estar sendo utilizada largamente na alimentação animal e humana.

A cultura da soja no Brasil tem sido questionada por ambientalistas e ativistas sociais pelos estragos ecológicos e danos à população local, na medida em que se adentra em biomas como cerrado e Amazônia e, indiretamente, pantanal. Junto com pesquisadores, eles questionam o modo de produção voltado ao mercado externo, baseado na grande propriedade e no uso intensivo de agrotóxicos. Segundo os ambientalistas, a soja no país continua distante dos padrões de produção para merecer o rótulo de sustentável ou responsável.
Na América Latina, as fronteiras agrícolas da produção de soja estão sendo agressivamente expandidas em todas as direções numa velocidade estonteante. Estimulados pelo imperativo exportador sob a forma de incentivos governamentais, os campos de soja avançam sobre as florestas e savanas de uma forma nunca antes vista. Abaixo são apresentadas algumas das  implicações que este modelo de monocultura e o suporte tecnológico associado representam para o ambiente, os agricultores e as comunidades:

  1. A cultura da soja tem contribuído decisivamente para o desflorestamento no Brasil
  2. A cultura da soja está expulsando os pequenos agricultores de suas terras. Os censos agropecuários têm confirmado a relação entre a expansão da soja e a concentração fundiária no Brasil e outros países.
  3. O cultivo da soja degrada o solo e produz impactos ecológicos enormes.  Os pesticidas, largamente empregados na cultura da soja, também causam grandes problemas de poluição do solo e da água, eliminação da biodiversidade e envenenamento humano.


Não vou me aprofundar nestes tópicos, pois isto fugiria ao escopo deste blog, no entanto creio que todo consumidor consciente deve também levar em conta estes aspectos ao optar pela soja e derivados.

As controvérsias da soja na alimentação
A soja tem sido amplamente promovida pela indústria de alimentos, autoridades médicas e governos como um alimento saudável e como alternativa para substituir a proteína animal provenientes do ovo, carnes, leite, etc. Para muitos, a soja é inclusive considerada um alimento funcional (aqueles que quando incorporados na rotina alimentar ajudam a prevenir doenças), apresentando um efeito positivo no sistema cardiovascular, na redução do colesterol , hipertensão arterial, densidade óssea das mulheres menopausadas, e prevenção de alguns tipos de câncer hormônio dependentes(mama, endométrio, ovário) pela ação dos chamados fitoestrógenos (genisteina, daidzeina, etc) que atuariam como moduladores da ação do estradiol no organismo. Por outro lado, um número significativo de cientistas e escritores estãolevantando questionamentos acerca de efeitos adversos da soja , citando dados da literatura cientifica a partir da década de 60 e relatos clínicos.

A soja chegou a nós do oriente, e há relatos do seu cultivo na China durante a dinastia Chou (1134 - 246 AC), no entanto, só após o descobrimento das técnicas de fermentação, muito tempo depois é que ela foi utilizada como alimento. Os primeiros produtos fermentados da soja foram o Tempeh, natto e misô. Os orientais, ao contrário que muita gente pensa, nunca foram grandes consumidores do grão de soja, pois desde há muito é conhecido por eles que o feijão soja possui grandes quantidades de substâncias nocivas ao organismo.

Fatores antinutricionais na soja

A soja é uma leguminosa de alta qualidade protéica, porém, o seu uso na alimentação está condicionado à inativação de sustâncias antinutricionais do grão. Estes fatores comprometem a biodisponibilidade protéica, inviabilizando o consumo do grão in natura. A soja é uma leguminosa que apresenta alto valor nutricional. Os grãos possuem 30% de carboidratos, dos quais 15% é de fibra; 18% de óleo, principalmente do tipo poliinsaturado; e 38% de proteínas ricas em aminoácidos essenciais . Devido as suas características benéficas, a soja passou a ser amplamente utilizada em todo o mundo. Entretanto, os grãos contêm uma variedade de fatores antinutricionais que podem provocar efeitos fisiológicos adversos ou diminuir a biodisponibilidade de nutrientes.

Dentre os fatores antinutricionais termolábeis encontram-se os inibidores de proteases, lectinas, hemaglutininas, fatores bociogênicos, antivitamínicos e antiminerais (fitatos). As isoflavonas, os fatores de flatulência, alergênicos, lisinoalanina e saponinas são termoestáveis, ou seja não são inativadas pelo calor. Os primeiros, embora classificados como termolábeis, não são completamente desativados durante um cozimento rápido e podem ocasionar a redução da digestibilidade das proteínas da dieta e conseqüente deficiência na absorção de proteínas.

Soja também contém fitatos, que interferem na absorção de minerais como cálcio, ferro e zinco no intestino delgado.

Os Fitohormônios na soja

Os fitohormônios(isoflavonas) presentes na soja e derivados podem atuar como “disruptores endócrinos” alterando o delicado equilíbrio dos hormônios. Sabe-se que bebês alimentados exclusivamente com leite de soja (800 ml a 1 litro por dia) recebem megadose de fitoestrógenos, cuja concentração chega a ser de 13000 a 22000 vezes maior que o normal e , o que pode estar diretamente implicado no desenvolvimento sexual precoce das meninas e tardio dos meninos.

As isoflavonas da soja também podem deprimir a função tiroideana e causar bócio(aumento da tiróide) em adultos ou crianças. Embora os cientistas tenham conhecimento deste efeito há décadas, só recentemente foi identificado os componentes da soja responsáveis: os chamados fitohormônios(genisteina, daidzeina, etc.)

Esta descoberta causou bastante impacto no marketing da soja, que promovia abertamente estes fitoestrógenos como substâncias alegadamente protetoras contra doenças cardiovasculares, câncer, osteoporose e sintomas da menopausa. Sabe-se que a deficiência de iodo aumenta significativamente este efeito antitiroideano da soja, enquanto que a suplementação de iodo na dieta tem um efeito protetor.
O consumo diário de apenas 30g de soja por dia(que contém aproximadamente 38 mg de isoflavonas) pode ser suficiente para deprimir a função da tireóide. Isto é menos da quantidade de fitoestrógenos encontrada em 2 copos de leite de soja ou 2 porções de tofu por dia.

Os alegados beneficios cardiovasculares da soja

Vários estudos tem mostrado  que o consumo regular de soja e derivados melhora o perfil lipídico,reduzindo o colesterol total, triglicérides  e o colesterol LDL (“colesterol ruim”).No entanto, não há estudos avaliando eventos cardiovasculares(incidência de infartos, AVC, etc). na população estudada.
Digno de nota é o fato de que a American Heart Association (Associação americana de cardiologia) em Janeiro de 2006 reformulou seu ponto de vista a respeito da soja como fator de prevenção de doenças cardiovasculares. Em 2000, a American Heart Association recomendava que a soja fosse incluida em uma dieta pobre em gordura saturada e colesterol. Esta recomendação corroborava com o FDA, que aprovou  veiculação da alegação de que 25g de soja por dia associados a uma dieta com baixo teor de gordura saturada e colesterol preveniria doença cardíaca. Contudo, evidências crescentes de que a soja , de fato, não reduz o colesterol e outros fatores de risco para doença cardiovascular, levaram a American Heart Association a destacar um comitê para reconsiderar a evidência.Após análise de 22 estudos, este comitê concluiu que quando utilizada em grandes quantidades a soja poderia reduzir o colesterol LDL, porém não apresentava efeitos sobre o HDL, Triglicérides, Lipoproteina a ou pressão arterial. O painel também concluiu que nem a proteína de soja, nem as isoflavonas não são eficientes em reduzir os sintomas da menopausa(fogachos) ou prevenir câncer de endométrio ou próstata. A AHA recomenda enfaticamente ao público que não tome suplementos de isoflavonas de soja, haja visto que a eficácia e seguraça ainda não foram estabelecidas.

A quem interessa promover a soja

É interessante observar como um produto que, no mundo ocidental, até pouco tempo atrás somente servia para produzir óleo e, com o bagaço, alimentar animais, e mesmo assim com ressalvas, tornou-se em pouco tempo a coqueluche dos nutricionistas do século XXI. Em pouco
mais de 30 anos, a soja ganhou imenso destaque, pois alguns estudos apontam uma série de potenciais benefícios para a saúde.
Maior produtor mundial de soja e sede dos maiores gigantes do ramo, o mercado norte-americano para produtos derivados da soja é objeto de investimentos multimilionários em comunicação para convencer uma geração de pessoas ávidas por saúde e bem-estar que a soja é a resposta para tudo. Óleo de soja, biodiesel e farelo são comodities e, para os gigantes
do  ramo,   é   interessante criar novos mercados para produtos de maior valor comercial.
Não se pode, porém, esquecer o fato que estão presentes na soja dois grupos de inibidores de proteases e que alguns estudos demonstram que o tratamento térmico pode não ser suficiente para a inativação completa desses antinutrientes.
Esses   inibidores  podem afetar  a digestibilidade da proteína e a absorção e biodisponibilidade de alguns minerais, como o ferro, zinco e cálcio por exemplo. Também não se  pode  dizer,   sem as  devidas considerações, que a soja é consumida há milhares de anos pelos povos asiáticos; sim,é consumida, porém na maioria dos casos na forma de produtos fermentados (natto, miso, tempeh, molhos, tofu e leite de soja fermentados) e, como parte de uma dieta alimentar   rica  em  vegetais ,  ou   seja, totalmente diferente das dietas ocidentais.
Os  avanços   tecnológicos  que ocorreram no processamento da soja eliminaram  total  ou  parcialmente  os antinutrientes e é indiscutível que as isoflavonas têm aplicações interessantes para a saúde. O que também deve-se ter em mente   são os   interesses  econômicos gigantescos que estão em jogo e o fato que é muito mais interessante fazer crescer a demanda dos  derivados de   reprocessamento  - após extração de óleo -, para  consumo humano,  do que simplesmente repassar tortas e farelos para o mercado de nutrição animal.


Para maior aprofundamento no tema sugerimos a leitura do livro:

Fontes consultadas:

Anderson JW, Johnstone BM, Cook-Newell ME. Meta-analysis of the effects of soy protein intake on serum lipids. N Engl J Med 1995;333(5):276-82.

Henkel J. Soy: Health Claims for Soy Protein, Questions About Other Components. FDA Consumer magazine 34(3);2000.

Feldman, A. 2004. Soja – A História não é bem assim. Disponível em http://www.correcotia.com/soja/soja-feldman.htm. 

Irvine CH and others. Daily intake and urinary excretion of genistein and daidzein by infants fed soy- or dairy-based infant formulas. Am J Clin Nutr 1998 Dec;68(6 Suppl):1462S-1465S. 

Joseph J Rackis, et al, "The USDA trypsin inhibitor study. I. Background, objectives and procedural details," Qualification of Plant Foods in Human Nutrition , 1985, volume 35

Hutchins AM, Slavin JL, Lampe JW. Urinary isoflavonoid phytoestrogen and lignan excretion after consumption of fermented and unfermented soy products. J Am Diet Assoc. 1995 May;95(5):545-51.

Fundação Weston Price http://www.westonaprice.org/